GPs Inesquecíveis


 

  O Strike do Bowling

 

por Clackson

 

A atropelada vitoriosa do cavalo Thignon Boy no Grande Prêmio Brasil deste ano, traz à memória àquela que pode ser considerada como a dor mais funda, ou a mais bela emoção do turfe, dependendo do lado que se está, que é a vitória,  mediante uma atropelada,  de um cavalo de corrida.

 

Fruto de uma perfeita sintonia entre o jockey e o animal, a ação de uma atropelada é iniciada muito antes do páreo, pois o jockey e treinador que realmente conhecem seu cavalo, sabem perfeitamente que, a simples instrução de atropelar durante a corrida não faz o animal vencedor, e dezenas de peripécias durante o páreo podem prejudicar por segundos o planejamento feito, e assim ver esvair-se a vitória também em segundos.

 

Exemplos de imprevistos, durante um percurso, são quase uma constante durante o transcorrer de um páreo, e o turfista está habituado a ver isso nas carreiras, todavia quando o jockey consegue executar o percurso imaginado e dar a partida para atropelada no momento certo, a emoção da carreira é levada ao seu nível máximo, pois sempre está na mente a seguinte pergunta: Será que vai dar tempo?

 

Para dificultar mais ainda a tarefa de um jockey, não é todo cavalo que gosta de atropelar, e mais ainda, se gosta, precisa ter sua partida dada na hora certa, porque o risco de faltar no final é grande.

Pouquíssimos jockeys têm a sensibilidade de sentir o momento exato do início da atropelada, e para agravar o quadro, a própria carga de ansiedade do jockey é um elemento adicional para sabotá-lo.

 

É comum no turfista uma lembrança de uma atropelada, seja ela vitoriosa, ou aquela que derrotou seu favorito no último galão, e este artigo começou com o Grande Prêmio Brasil e é a ele que vamos recorrer para transcrever aquela que considero como a maior atropelada da história desse páreo !!

 

O ano é de 1.987, e aquela festiva tarde de GP na Gávea seria o palco de uma das mais belas páginas do turfe brasileiro e também palco de uma despedida. O imortal Itajara  fez  antes do páreo principal, um galope de despedida das pistas, montado por seu jockey J. F. Reis, o Reizinho, e assim se dava por encerrada sua campanha exitosa.

 

O páreo do GP Beasil era formado por competidores de alto nível, tais como:  Corto Maltese, Classista ( égua), Grimaldi, Radnage ( égua), Bat Masterson, Jive, Brown Tiger, Tiago, Bowling, Larabee, Breitner, Tiago, Anseio e outros.

 

Os cavalos paulistas Corto Maltese, Grimaldi e Brown Tiger, mais os cariocas Bat Masterson, Radnage e Breitner mais o argentino Larabee dividiam opiniões e paixões, mas no turfe só depois de ultrapassado o disco é que se sabe que é o melhor.....

 

Dada à partida para o GP com um hipódromo lotado, e numa raia da grama macia, Tiago montado pelo jockey vencedor da milha daquela tarde, Albenzio Barroso,  do turfe paulista, toma a ponta, como era seu costume em todas as provas, e seguido por Jive e Brown Tiger passam em frente as Sociais e seguem para a curva do relógio.

 

Nessa ordem fazem a curva e ao final desta e na entrada da reta oposta, Brown Tiger, com o magistral bridão Gabriel Menezes, toma a ponta do páreo e faz correr seu cavalo, com Jive ao seu encalço e no lote de trás, Bat Masterson (J. Ricardo) e Corto Maltese (Cláudio Canuto) policiam-se um ao outro, e Grimadi ( I. Quintana) de olho nos dois. No bloco traseiro, Larabee com o Goncinha e Bowling com o Juvenal fechavam a raia.

 

Terminada a reta oposta às posições ainda se mantinham, e para manter a tradição, no meio da curva uma série de desvios e fechadas foram aplicadas por diversos jockeys e várias posições foram alteradas, sendo os mais prejudicados, Corto Maltese e Grimaldi.

Bowling e Larabee avançaram duas posições, mas ainda nas últimas posições.

 

No início da reta, Brown Tiger melancolicamente renuncia à prova junto com Bat Masterson, e Jive tenta abrir vantagem, mas Corto Maltese, que havia tido sérios prejuízos tentava achar uma brecha e Grimaldi abre por fora para iniciar sua arrancada, mas como é muito raro na Gávea um cavalo abrir por fora e vencer o páreo,  isso pôde ser provado o final do GP.

 

Nesse momento o bloco a frente mantinha-se na disputa, mas no bloco retardatário algumas movimentações chamavam a atenção: Eram o Larabee e Bowling que, acionados por seus pilotos começavam a ganhar posições; Larabee por dentro e Bowling pelo meio de raia.

 

Como se trata de um GP Brasil e ainda por cima com grama macia, atropeladas com chance de vitória são raras e quase ninguém repara nos cavalos do pelotão do fundo, mas o tordilho Bowling começou a chamar atenção, pois o Juvenal arrancara forte com o cavalo e não abriu para fora. Até aí dá para julgar que é mais um tentando achar uma passagem e alcançar alguma colocação. Puro engano.

 

O que não estava previsto no Bowling era um detalhe muito sutil: seu jockey chamava-se Juvenal Machado da Silva e sendo um ídolo na Gávea, dele tudo se esperava, até o impossível. E o impossível aconteceu !!

 

Costurando adversários pelo meio de raia, o tordilho voava, mas ainda não se tinha noção de onde iria dar aquela atropelada.

 

Creio até hoje que, o catalisador da arrancada final do Bowling deu-se quando a “metralhadora de palavras” chamado Ernani Pires Ferreira, o narrador oficial do Jockey Club Brasileiro, lá pelos 300 metros, soltou aquele famoso grito de guerra da Gávea: “Lá vem o Juvenal !!! “

 

Nesse momento o hipódromo da Gávea entrou em frenesi, dado que seu ídolo estava “voando”, e o público entendeu o grito de guerra e resolveu empurrar o Bowling com suas vozes.

 

A Biblía diz que as Muralhas de Jericó caíram ao som das trombetas, mas se naquela época gritassem “Lá vem o Juvenal”, com a mesma força dos turfistas da Gávea, elas cairiam do mesmo jeito !!!

 

Impressionante foi o vibrar daquele público para a dupla Juvenal/ Bowling. Inesquecível...

 

Como um profundo conhecedor da raia e do cavalo, o Juvenal guardou o Bowling para uma partidafinal  de 250 metros e daí para frente o que se viu foi um tordilho voar e os demais irem parando.

 

O Larabee, com o Goncinha, que era outro jockey de altíssimo nível, também havia atropelado por dentro de forma invisível e tomado conta do páreo e rumava para o disco, mas as ondas sonoras dos turfistas cariocas ( juvenistas ? ) empurravam o tordilho mais e mais para cima do Larabee.

 

Nas proximidades da chegada já era visível que o Bowling iria “matar” o Larabee no disco, mas como ainda não o havia transposto, a energia do público não diminuira, pelo contrário, aumentara. O Ernani narrava com uma entonação digna do grande profissional que é, e suas palavras eram quase que uma ordem unida para o público ajudar o Juvenal.

 

A dupla Juvenal-Bowling aperta o cerco ao Larabee e próximo ao disco, essa dupla livra quase um corpo sobre Larabee e cruza o disco, com o Juvenal em pé no estribo e com a mão direita estendida para o céu, como quem à agradecer a Divina Providência, o feito que acabara de realizar.

 

Se alguém me dissesse que naquela tarde o Cristo Redentor virou-se para ver o final do páreo, eu não duvidaria jamais disso !!!!

Juvenal vibra após disco chegada  no GP. Brasil (Larabee por dentro - farda ouro)

 

Uma página da história do turfe brasileiro foi escrita por um jockey excepcional, que conhecia muito bem seu cavalo, tinha uma noção exata do percurso que faria, soube desviar dos obstáculos sabiamente, e assim levantava pela quarta vez esse GP. Ele ainda ganharia mais uma, com Flying Finn, tornado-se  penta campeão da prova, uma marca que dificilmente será alcançada.

 

Uma curiosidade é que, tal qual no seu primeiro GP Brasil, coube ao Juvenal ter de se contentar com a segunda montaria, pois Bat Masterson foi  escolha do Jorge Ricardo cabendo ao Juvenal montar o Bowling, filho de Cryng to Run e Tangência, de criação e propriedade do mais do que tradicional Haras Santa Ana do Rio Grande e treinado pelo competente Alcides Morales.  

 

Levará anos para que as novas gerações de jockeys que atuam no Brasil tenham um perfil próximo do Juvenal e outros grandes mestres, mas para estes jockeys que fique o exemplo desse GP Brasil.

 

Bowling é uma palavra inglesa que significa boliche e sua jogada mais importante, onde todos os pinos caem, chama-se strike. Pois bem, naquela tarde na Gávea, o que se viu foi que no Bowling, só o Juvenal para fazer um strike  !!!

 

 Home