Homenagem                         por Clackson   25/10/2007


O Diamante Cacique Negro

A Natureza, dentro da sua vasta complexidade pode, e deve, ser analisada muitas vezes em estruturas simples, que submetidas a condições especiais, formam novas e complexas estruturas, tendo como resultado uma situação totalmente diferente da inicial. Essa premissa forma a base da Teoria do Caos, teoria pela qual explica que o bater de asas de uma borboleta pode provocar um furacão.

Exemplos de sistemas que ao sofrerem mínimas alterações resultam em muitas vezes em fenômenos gigantescos podem ser dados tanto no clima, marés, geotermia, mineralogia e para não falar na Genética.

Tomemos o carbono, o elemento químico fundamental da Natureza.  Na sua forma mais comum, o carbono apresenta-se na forma de grafite, de baixíssima resistência e dureza. Já o grafite (carbono) submetido a sensibilíssimas condições de  pressões e temperaturas transforma-se em diamante, também carbono, um mineral que possui a maior dureza conhecida, totalmente oposta do grafite, sendo ambos constituídos do mesmo elemento.

Por se tratar de uma raridade mineral, o diamante tem seu valor exponencialmente maior que o grafite, e ressalte-se mais uma vez, são a mesma coisa, quimicamente falando.

Feitas as considerações "minerais", vamos passar para o Turfe. Comparativamente, pode-se associar o  grafite e o diamante à criação do cavalo Puro Sangue, ou seja, todos criadores almejam obter o seu diamante, mas na quase totalidade obtêm grafite. É o preço que a Natureza cobra pela exceção.

Classificar um cavalo, tal qual o diamante, exige que haja um critério todo especial, devido ao fato que por ser raro, rara deve ser a metodologia que o define, e essa metodologia existe. Trata-se de Tríplice Coroa, odisséia máxima que um potro/ potranca deve se submeter para atingir o grau de "Diamante".

Cacique Negro (Bra) - Presente de Deus - Criado pelo Haras Porto Seguro (SP)

Aqui abre-se uma necessária explicação do verdadeiro significado da Tríplice Coroa.

No turfe paulista, essa jornada para os potros, era composta pelo Grande Prêmios Ipiranga (1.609 metros), Grande Prêmio Derby Paulista (2.400metros) e o instransponível (para os cavalos tipo "grafite") Grande Prêmio Consagração, em 3.000 metros, todos disputados na grama. Em 1.994 essa seqüência foi alterada, mas trataremos disso mais adiante.

Na História do turfe paulista, até 1.967, somente uma égua e cinco cavalos lograram chegar ao grau "Diamante", à saber: Jacutinga (1933-égua que correndo entre os machos chegou à láurea, criada pelo Sr. Rodolfo de Lara Campos), Funny Boy (1936), El Faro  (1943 - ambos criados por Linneo de Paula Machado), Estouvado (1944-criação do Sr José Paulino Nogueira),-  Farwell (1959-criação do irmãos Nelson e João Adhemar de Almeida Prado e Giant (1967 -criado pelo Haras Palmital).

Desde o primeiro título de tríplice coroado até 1967 passaram-se 34 anos para que somente seis animais chegassem até o podium que todo criador sonha. As regras da tríplice coroa produzem o que é mais valioso na criação de um PSI - a exceção .

Nenhum cavalo tríplice coroado o é por obra do acaso, ou de alguma peripécia de corrida. Não, caro leitor, para ser tríplice coroado o cavalo precisa ser um fenômeno, um craque, um fantasma das pistas e não há margem de dúvida quanto a suas qualidades. Essa é a razão das provas.

Por outro lado, é bem verdade que muitos cavalos não se sagraram tríplices coroados, mas tiveram campanhas fantásticas. Em que pese a suas famas e glórias, falta-lhes os três diamantes na Coroa. Nenhum demérito, mas que falta, falta.

Com o êxito de Giant, em 67, entramos na década de 70 onde alguns cavalos chegaram perto do grau "Diamante", mas fracassaram em alguma prova, o que os proibiu de entrar para o Panteão do Turfe. Foram eles: Fitz Emilius, Chubasco, Hersio Kidd e Jabble, este último já na década de 80. Quase que sistematicamente, todo ano após o GP Ipiranga, todos depositavam esperanças no potro que vencera a primeira prova, mas logo uma desilusão advinha,  no Derby ou no Consagração.

Uma prova preparatória de então era o GP Jockey Club de São Paulo, em 2.000 metros, onde o potro testava suas aptidões para o aumento da distância que adviria por ocasião do Derby. Vários potros já nessa fase falhavam, prenunciando o fracasso da escalada da tríplice coroa. A propósito, Giant venceu essa prova com autoridade.

Chegamos ao ano de 1989, onde pela geração estreante, nada mostrava que a tríplice coroa dos potros seria alcançada, e ali se teria mais um ano de jejum de craques. Ledo engano.

As provas iniciais não apresentaram um líder inconteste, o que não era nada incomum, pois somente com o progressivo aumento da distância é que poderia surgir algum potro credenciado a disputar a tríplice coroa. Pois bem, neste ano, a "mineralogia" do turfe indicava mais um ano de "grafites", mas no mundo do PSI, o impossível para uns é fato consumado para outros e nesse contexto, com tanta dedicação e esmero por sua reduzida criação, coube ao Haras Porto Seguro, do Sr. Marcio Porto Junior, extrair o maior diamante do turfe paulista, até hoje, desde Giant!

O Haras Porto Seguro criou ninguém menos que Cacique Negro, filho de Kuryakin e Exótica  que assombrou o turfe ao sagrar-se tríplice coroado de uma forma " à la Farwell", ou seja, seus oponentes jamais tiveram a audácia de correr e manter-se na sua frente, pois se o fizessem, morreriam por falta de ar devido ao esforço de tentar alcançá-lo.

Exótica (Brz) com seu Diamante ao pé - Cacique Negro - O criador Marcio Porto (esq. observa ao fundo)

A epopéia de Cacique Negro é digna de um filme como Seabiscuit, pois ambos tinham um proprietário abnegado, um treinador não muito visado, um jockey sem fama e ambos fizeram História.

Estas linhas sobre Cacique Negro não irão traduzir o que representou esse cavalo no turfe, mas o que pode ser feito, e o será, é escrever sobre suas façanhas. Vamos lembrar todas as suas vitórias na tríplice coroa, e também naquela prova que considero sua quarta coroa; o GP Jockey Club de São Paulo

Antes de entrar nas provas propriamente ditas, é preciso descrever um pouco a atmosfera que cercava as corridas de Cacique Negro, em Cidade Jardim Esse cavalo magnetizou os turfistas a tal ponto que, a cada corrida, condenava àqueles que achavam que chegara o dia da sua derrota e por outro lado, fazia chegar ao delírio seus admiradores, entre eles o autor destas linhas, e assim diminuía o time dos primeiros e aumentava o segundo, até chegar ao ápice, que foi o GP Consagração.

Vamos abrir a epopéia de Cacique Negro com o GP Ipiranga, disputado em 1.600 metros,  no dia 7 de Setembro de 1.989.

Com um campo formado por Siga Bravo, Golival, Kinacor, Super Noce, Baptism of Fire, Gambling Debt, Naturalíssimo, Samedi, Nastuti, Lovely Father, Descuro, Lady´s Boy, Scalabrino, Borba, Maroc, In the Red, El Astral, Larker e Lord Bravo; Cacique Negro enfrentaria todos os potenciais valores da geração que ali estavam para obter, cada um ao seu modo, a supremacia da geração.

Dada a largada, Norba com El Astral e Super Noce tomam as primeiras posições, com Cacique Negro, por fora, forçando e fazendo uma diagonal, tomando a ponta antes do término do final da reta oposta, pela baliza um. O potro do Haras Porto Seguro, assume a liderança da corrida. Como vários animais do páreo eram atropeladores, todos ficaram com a impressão que Cacique Negro, puxaria o lote e seria alcançado no final, tal qual ocorrera no final da Taça de Prata entre ele e Siga Bravo. O Jorge Garcia, aliás mantinha Siga Bravo no bloco de trás como a prenunciar um replay do final da Taça de Prata.

A curva da Vila Hípica foi feita com Cacique Negro no comando das ações, Samedi e Super Noce tentam forçar com o Otávio Camargo calmo no dorso do Cacique Negro. No início da reta, Samedi, avança e tenta alcançar o líder, com Naturalíssimo por dentro ganhando posições e forçando, porém o ritmo do Cacique Negro ainda era o da largada. Nos 300 metros finais, surge Golival (L.C. Silva) que por fora de Samedi e Naturalíssimo, passa por eles e vai ao encalço do Cacique Negro e um pouco mais por fora de Golival, surge Siga Bravo, "voando" com o Jorge Garcia, como a repetir a dose da Taça de Prata, mas agora, o terreno era a grama, e não areia, e ali, o destino mostraria que não havia quem passasse pelo líder.

Cacique Negro, sem diminuir um só galão, não deu a mínima aos seus adversários e cruzou o disco em 1min36s02, com Siga Bravo contentando-se com o segundo e Golival em terceiro. A verdadeira final da Taça de Prata havia sido realizada também nesse páreo e a tríplice coroa tinha um candidato que até então ninguém previra, e pior ainda, o desdenharam, pois entrou para a história das grandes bobagens ditas no ar, o que um comentarista de turfe à época disse após Cacique Negro cruzar o disco:  " Ganhou, mas não me convenceu". Outra aleivosia como essa só anos mais tarde, com um outro comentarista sobre a égua Ribolleta (" é só uma eguinha").

Cacique Negro (Brz) - Vitória de craque no GP. Ipiranga Gr.1 !!! Siga Bravo foi o 2º colocado

Momento Inesquecível - Sr. Marcio Porto e Sra. com as Taças !!!

Cacique Negro carimbara seu passaporte para a tríplice coroa, e o próximo compromisso foi o Grande Prêmio Jockey Club de São Paulo, em 2.000 metros, teste para o Derby. Vamos acompanhar o "Diamante" nessa prova.

Com um campo formado por Cacique Negro, Siga Bravo, Super Noce, Marroc, Lovely Father, Lorjou, Nirstly, Hanschur, Gambling Debt, Baptism of Fire, Katan, Astralis, El Kef e Briccone; Cacique Negro tomou a ponta logo nos primeiros metros tendo Briccone ( Antonio Bolino) assumindo a segunda posição. Na altura dos 1.300 o Briconne ousou passar por Cacique Negro, porém essa ousadia teve um alto preço, porém no início da curva da Vila Hípica, Cacique Negro assumia novamente a ponta e ditando o ritmo da corrida, segue firme na dianteira. A grande expectativa era que agora, em 2.000 metros, as coisas seriam diferentes e os atropeladores finalmente se vingariam de Cacique Negro. Puro engano, mas quem diria o contrário antes do final da prova?

Entrando na reta, Otávio Camargo, solta o "freio de mão" e Cacique Negro aumenta os galões, e foge magistralmente para o disco. Siga Bravo, sempre ele, atropela e passa por Super Noce e fica em segundo. Mais uma vez, de forma inconteste, Cacique Negro massacra os potros da geração. Briccone, que ousou correr á frente do Cacique Negro fechou a raia.

Cacique Negro é proclamado o líder máximo da geração.

 

GP. Jockey Club de São Paulo -  Cacique Negro (Brz) - Mostra sua Classe !!!

Um dado importante dessa prova foi que Cacique Negro cruzou o disco em 2min00s6, ficando à 3 décimos de segundo do então recorde do lendário Gualicho, recorde esse que remontava o longínquo ano de 1.954, sendo que nos últimos metros da corrida, o Otávio Camargo desarmara o Cacique Negro e fez pose para a fotografia. Nenhum demérito nisso, mas por míseros 3 décimos, Cacique Negro quebraria um recorde de 35 anos.

Chegara a hora da prova máxima dos potros, o Derby Paulista, onde todo criador sonha em ver seu produto no altar sagrado dessa prova, prova essa que atrai criadores de outros estados que vem em busca do título.

Cacique Negro agora teria de enfrentar não só os potros nativos, mas também os possíveis algozes de sua jornada, até ali brilhante. A prova de fogo sem dúvida seria essa, e muitos já comentavam que a fase de sorte do potro do Haras Porto Seguro chegara ao fim.

Do turfe carioca, veio ninguém menos que Falcon Jet, uma máquina de correr do Haras Santa Ana do Rio Grande, com Jorge Ricardo. Além dos potros, uma potranca paulista de altíssimo nível também tentaria repetir o feito de Immensity. Seu nome: La Greve.

Por outro lado, pela própria trajetória do Cacique Negro e de seu criador e proprietário, era óbvio que os demais criadores olhavam com certo desdém o sucesso desse potro, pois afinal, aquele cavalo estava massacrando seus produtos, expondo-os ao mero papel de coadjuvantes, quando foram criados para serem líderes. Com a chegada do Falcon Jet para o Derby, renovavam-se as esperanças de que finalmente o Cacique Negro conheceria a derrota, e assim todos os potros da geração ficariam igualados, aliviando a tensão dos grandes proprietários.

Os insondáveis mistérios do turfe mostraram que esse raciocínio se aplica para cavalos tipo "grafite", não para "Diamantes", e  Cacique Negro nessa prova, mostraria a todos que seu quilate era algo jamais visto desde os tempos de Farwell. A comparação com Farwell é mais do que oportuna, pois ambos tinham uma maneira similar de correr, ou seja, não havia quem corresse e se mantivesse na dianteira contra um deles.

O campo do Derby foi formado por Cacique Negro, Falcon Jet, Lord Joe, Gambling Debt, Naturalíssimo, Katan, Scalambrino, Kinacor, Nirstly, Larker, Baptismo of Fire, Hanschur, Marroc, Kazanlik, Lorjou, Super Noe, Lindo Negro, Bulgrandi, Malungo, La Greve e Lamparon . Em uma raia de grama pesada, a largada do Derby foi dada e logo nos primeiros metros, saindo de uma péssima baliza (18), Cacique Negro forçou e assumiu a ponta, com Lindo Negro, Scalambrino, Lamparon e Falcon Jet à seguir.

Na primeira passagem pelo disco, Cacique Negro tinha meio corpo à frente  de Scalambrino com Lindo Negro encostando. Na curva do estacionamento, Cacique Negro livrou 2 corpos de vantagem sobre Lindo Negro, que ultrapassara Scalambrino, e o pelotão de trás tentava achar posições que os habilitariam a passar pelo líder da geração. Assim terminaram a curva e entraram na reta oposta onde o  que se viu foi Cacique Negro abrir 5 corpos de vantagem, e apenas pequenas alterações surgiram no lote de trás, com Scalambrino retomando o segundo, Marroc em terceiro e colado a este Super Noce e Lindo Negro. O temível Falcon Jet acompanhava em sétimo, o movimento dos ponteiros e assim a reta oposta permaneceu sem alterações.

Na curva da esquerda a diferença de Cacique Negro diminui para 3 corpos com Lindo Negro e Marroc tentando o segundo. Scalambrino fica em terceiro, Falcon Jet em quarto e Gambling Debt em quinto. Como a diferença diminuiu, é de imaginar que o "staff" do Santa Ana do Rio Grande, responsável por Falcon Jet, pensou que agora chegara a hora do potrinho do Porto Seguro ser dizimado pela máquina carioca. Como a magia do turfe é fantástica !!!

Terminada a curva, Gambling Debt foi levado mais para o centro de raia, e começou a avançar forte dando a impressão de apertar o líder. O Jorge Ricardo, inteligentemente, por dentro começou a acionar o Falcon Jet, e Lord Joe,  foi para a grade de fora tentar um terreno mais firme para sua atropelada. E o Cacique Negro?

O "Diamante" estava lapidando sua mais espetacular vitória, e uma das mais marcantes da história desse Grande Prêmio. O Otávio Camargo deixou o Cacique Negro correr e magicamente foi abrindo 5, 6 ,7, até chegar em 11 corpos de vantagem sobre o segundo que até então era Gambling Debt, mas Falcon Jet com sua superioridade forçou e tomou o segundo lugar, mas jamais teve pernas para ousar a seguir de perto o defensor do Sr. Márcio Porto Junior e contentou-se com o segundo lugar.

O Lord Joe, por fora, voava, característica muito comum das direções do freio Jorge Garcia, mas o terceiro lugar estava se configurando. Ao se aproximarem do disco, o público em delírio aclamava o vencedor que manteve 11 corpos sobre Falcon Jet e toda a geração de potros de São Paulo. La Greve fez penúltimo, pois seu selim correu e o jockey Gabriel Menezes teve de recolher. Providencial essa anomalia, pois seria outra vítima do "Diamante".

Otávio Camargo vibrou ao cruzar o disco, como também vibrou o treinador Lázaro Vieira de Camargo, pois aquela havia sido sua primeira inscrição em um Derby. Na volta para a repesagem e na entrega dos troféus, honras de herói ao cavalo e jockey e treinador.Uma cena inesquecível num Derby histórico, com uma vitória sobre um cavalo que viria mais tarde vencer o Grande Prêmio Brasil, Clássico Latino Americano, e um grande reprodutor, mas naquele dia, em Cidade Jardim,  encontrara o seu carrasco.

Se havia alguma dúvida sobre o fenômeno que ali se estava presenciando, essa dissipou-se, e não seria de todo errado imaginar que o comentarista que ousara dizer que "ganhou, mas não me convenceu", quando do GP Ipiranga, deveria estar em algum canto do hipódromo engolindo suas palavras.

 

 

Cacique Negro (Brz) - Vitória gigantesca no Derby Paulista !!!

Sr. Marcio Porto e familiares, seguram o inesquecível Cacique Negro no Derby !!!

Bem, Cacique Negro chegou aonde alguns poucos haviam chegado, porém com um brilho muito maior, e restava ainda a instransponível prova dos 3.000 metros do Grande Prêmio Consagração.

 Ele estava na ante sala da Glória. A hora da verdade estava se aproximando.

Um clima de decisão de Copa do Mundo tomou conta do universo turfístico de São Paulo, pois a última prova da tríplice havia sido uma espécie de túmulo para candidatos até então imbatíveis. Muitos lembravam do Chubasco, com o então novato Ivan Quintana, que vencera o Ipiranga, o Derby e foi derrotado no Consagração, por Zémario (J.M. Amorim).

Outros, para reforçar a tese de que Cacique Negro estava com o dia e hora marcada para a derrota, falavam de Fitz Emilius, outro candidato, que no Consagração, numa direção demasiadamente otimista perdeu para Orff a láurea maior. Houve quem comentasse sobre o destino de Jabble, que três anos antes também fracassara no Consagração.

De forma alguma não se está aqui desmerecendo os cavalos acima. O fato é que a natureza da da verdadeira tríplice coroa, que se traduzia no GP Consagração como prova obrigatória, era o filtro absoluto da real qualidade de um potro. Infelizmente, em 1.994, as regras foram alteradas para uma quádrupla coroa,  incluindo do GP Jockey Club de São Paulo, (vencida por Cacique Negro) das quais vencendo-se três delas, o Derby como prova obrigatória, o potro seria aclamado tríplice coroado. Flexibilizar regras não me parece a forma mais correta de se obter os verdadeiros diamantes. Os 3.000 metros são a cátedra, o Honoris Causa do potro e criador. No afã de surgirem tríplices coroados, mudaram-se as regras em prejuízo da excepcionalidade e galhardia do título. Em termos comparativos, um metro passou a valer 70 centímetros.

Desde então, dois cavalos já se consagraram tríplices coroados, Quari Bravo e Roxinho. O leitor fica convidado em imaginar quem seria o vencedor de um páreo reunindo os cavalos acima e o Cacique Negro.

Voltando ao Consagração de 89, além da dúvida sobre a real capacidade do defensor do Haras Porto Seguro sagrar-se tríplice coroado, a equipe técnica formada pelo treinador e jockey também estava nos holofotes. O treinador Lázaro Vieira de Camargo, já falecido,  profissional radicado no hipódromo de Campinas era de uma competência de longa data. Campeão de várias estatísticas no hipódromo de São Vicente, ele reunia uma categoria  sem igual em treinar um Puro Sangue Inglês.

Já o jockey, Otávio Camargo, seu sobrinho, era um profissional de qualidade, mas ele atuava em uma época de Albenzio Barroso, Gabriel Menezes, Ivan Quintana, Jorge Garcia e outros  "leões" dominavam as corridas, cabendo aos demais jockeys um esforço sobre humano em se sobressair. Diz um ditado do turfe que " o melhor jockey não é aquele que dá pernas para o cavalo, mas aquele que  não as tira" e isso era exatamente o que o Otávio Camargo estava fazendo. Deixava o Cacique Negro correr sem atrapalhá-lo.

Em conversas reservadas muitos diziam que a falta de experiência do jockey na rigorosa distância dos 3.000 metros era um fator de desequilíbrio, mas tanto o treinador, quanto o proprietário confiaram nesse profissional. Vamos para o resultado dessa confiança.

No dia 16 de Dezembro de 1.989, um dia antes da realização do segundo turno da eleição presidencial e num sábado ensolarado, entraram na raia de Cidade Jardim para a disputa do Grande Prêmio Consagração, Cacique Negro (O. Camargo), Gambling Debt (I. Quintana), Larker (N. Souza), Lord Joe (J. Garcia), Super Noce (W. Lopes), Intensive Care (J. Cardoso), Bright Again (A. Bolino), Naturalíssimo (L. Duarte), Kazanlik (I.F. Ribeiro), Katan (C. Canuto).

O clima era de tensão e expectativa entre os turfistas. O semblante do Otávio Camargo era de uma calma que assustava. O autor destas linhas estava com o coração na mão.

Dada a largada, a cena mais do que previsível se deu, ou seja, Cacique Negro assume a ponta logos nos primeiros metros e foi encostando na baliza um e assim foi até a primeira passagem pelo disco, secundado por Intensive Care, Gambling Debt, Larker, Katan e os demais. A curva do estacionamento foi feita com pequenas alterações no bloco de trás, mas Cacique Negro seguia firme na frente impondo seu ritmo.  Os turfistas com o coração na mão e adrenalina nas alturas se perguntavam " Será que ele agüenta? ".

GP. Consagração - 1ª passagem no disco - Cacique Negro na ponta, seguido por Intensive Care (10) e Katan (7)

A reta oposta foi toda de Cacique Negro que, com 4 corpos, mandava no páreo. Já no início da curva, Gambling Debt , com o Ivan Quintana, começou a encostar em Intensive Care e este já dava sinais que o preço por seguir Cacique Negro já estava sendo cobrado. Lord Joe foi outro que começou a avançar.

Cacique Negro permaneceu na ponta durante toda a curva e o bloco de trás se movimentando para tentar quebrar o Diamante, como se isso fosse possível.

Entraram na reta final e Gambling Debt foi tentar ir para cima do pilotado do Otávio Camargo, e aí o Camargo mostrou todo seu valor. Deixou o Cacique Negro fazer o que ele fora predestinado pelos deuses do turfe; começou a correr mais, mais, mais e abriu a espantosa marca de 10 corpos sobre Gambling Debt, o segundo colocado.  O narrador Roberto Casela, em um dos grandes momentos de sua carreira, eufórico na narração interna do Jockey, catalisava toda emoção dos presentes naquele grande momento de transe que estava se presenciando em Cidade Jardim, pois aquela tarde de sábado estava entrando para o História do turfe brasileiro, e Cacique Negro estava a poucos metros de ser uma dessas páginas.

Todos presentes torciam, gritavam, pulavam, alguns mexiam os braços como se fossem jockeys e estivessem com as rédeas num páreo imaginário, outros imitavam o gesto de chicotear, mas o Camargo não usou o chicote uma única vez !!!

As taxas de adrenalina de todos os presentes chegara ao limite e então naquele sábado, 16 de Dezembro de 1.989, o momento mágico se concretizara.

Cacique Negro, com Otávio Camargo, treinado por Lázaro Vieira de Camargo, de criação e propriedade do Haras Porto Seguro, cruza o disco majestosamente e passa para a História do Turfe Brasileiro e entra para a Galeria de Cavalos Fora-de-Série,  como o sétimo animal  a sagrar-se tríplice coroado. Ao seu lado estariam os nomes de Farwell, El Faro, Funny Boy, Giant, Estouvado e Jacutinga. 

Cacique Negro (Brz) - Conquista à Tríplice Coroa de forma sensacional !!!

Marcio Porto e Sra. ao lado do Pres. do JCSP. Waldir Prudente de Toledo

A glória maior de um criador estava com o Haras Porto Seguro, a realização máxima de um treinador e jockey também. A coroa de majestade de Cacique Negro acabara de receber o terceiro Diamante (sabemos que essa coroa possuía quatro diamantes, devido a sua vitória no GP Jockey Club de São Paulo). Um soberano absoluto.

Na volta para a repesagem e com a entrega dos troféus, uma multidão se aglomerava para ver o fenômeno. Ali estava se presenciando um evento histórico que não se repetiu até hoje, pois os tríplices coroados subseqüentes jamais abordaram os 3.000 metros. Esse foi sem dúvida um grande momento na história do hipódromo.

Cacique Negro até aquele momento colecionara o seguinte cartel:

3º na Prova Especial Rafael de Barros Filho (1.000m grama)

4º Páreo Comum (1.000m grama)

Páreo Comum (1.100 areia)

6º Clássico Herculano de Freitas (1.000m grama)- essa foi sua única descolocação .

2º Clássico Presidente Augusto de Souza Queiroz (1.300m grama)

Clássico Presidente José de Souza Queiroz (1.400 m grama)

4º Grande Prêmio Antenor de Lara Campos (1500, areia)

5º Grande Prêmio Juliano Martins (1500, grama)

Seletiva da Taça de Prata (1.600 m grama)

2º Grande Prêmio Taça de Prata (1.600m areia encharcada)

Grande Prêmio Ipiranga (1.600m grama)

Grande Prêmio Jockey Club de São Paulo (2.000m grama)

5º Grande Prêmio Antonio Correa Barbosa (2.200 areia leve)

Grande Prêmio Derby Paulista ( 2.400m grama)

Grande Prêmio Consagração (3.000m grama).

O aumento da distância evidenciava de forma inequívoca a superioridade do Cacique Negro frente aos demais potros.

Talvez a grande qualidade do Cacique Negro, e daí ser aclamado como um cavalo fora de série é que a sua forma de correr impedia quem quer que seja de tentar correr na sua frente. Era ele o ator principal do páreo e mais ninguém, e isso é característica de verdadeiros campeões. Não está aqui se desqualificando outros animais que têm forma distinta de correr, mas o cavalo tipo larga-e-acaba não dá chance para ninguém. Os animais atropeladores permitem que corram na sua frente, outros correm no meio do pelotão e avançam na hora certa, mas os ponteiros nem sequer permitem isso. Pode-se questionar que o importante é a vitória e não a forma de correr. Pode ser, mas não deixar qualquer adversário correr na sua frente é um outro nível.

GP. Ipiranga

GP. J.C.São Paulo

Cacique Negro (Brz)

GP. Derby Paulista

GP. Consagração

Ostentando a coroa cravejada com quatro Diamantes, no início de 1.990, Cacique Negro treinava para o Grande Prêmio Osvaldo Aranha, prova preparatória do Grande Prêmio São Paulo,  e sofre uma leve contusão, na qual deveria ser submetido cirurgia comum . O destino do Diamante estava para ser mudado.

Com uma parada cardíaca logo após ser anestesiado, o Criador Supremo achou por bem chamar o Diamante para seu lado, talvez para defender suas cores no Paraíso, e para nós mortais, o que restou foi  a dor aguda da perda daquele que foi o melhor dos melhores. Um amigo muito próximo chorou ao saber da morte de Cacique Negro. O turfe estava de luto, mas a História não, pois suas façanhas estavam indeléveis para as futuras gerações.

Talvez por um desejo Divino, desde aquela data e até hoje não tivemos nada parecido com o "Diamante" . Aguardemos um milagre.

Uma odisséia iniciada por um criador que possuía  uma única égua de cria, entrega seu produto a um treinador competente, mas não famoso, este por sua vez, chama um jockey também não famoso e juntos, todos eles, na frente dos maiores criadores do País, chegam a um título que àqueles sonharam pela vida toda. Essa é a verdadeira tradução do Turfe.

Ao abnegado criador, Sr. Márcio Porto Junior, o reconhecimento pela dedicação e o mérito em chegar onde outros nem passaram perto; ao competente treinador L. V. Camargo (in memorian) e ao também competente jockey Otávio Camargo, o muito obrigado por ter proporcionado um dos maiores momentos do Turfe Brasileiro e a Glória de pertencerem à uma seleta galeria de profissionais grau "Diamante".

L. V.Camargo

Cacique Negro (Brz) com O.Camargo

Márcio Porto Jr.

Ao eterno Cacique Negro, esteja onde estiver, sua presença é viva até hoje, pois em todo páreo em que surge um animal que ganha por vários corpos, sempre dizemos - "parece o Cacique Negro".

Para os que presenciaram tudo o que acima foi escrito saibam que seguramente será difícil assistir outra jornada como essa, principalmente pela forma atual de disputa.

Àqueles que acham que tudo não passou de um tremenda sorte, fica um recado: sorte é ser chamado de tríplice coroado sem nunca ter corrido 3.000 metros !

Em tempo: Vai aqui um apelo para que a atual administração do Novo Jockey Club de São Paulo corrija um erro histórico pois, ao lucidamente dar o nome de tríplices coroado(a)s às ruas da Vila Hípica, simplesmente esqueceu de incluir o sétimo da lista, mas incluiu o oitavo, que jamais ousou a chegar na seta dos 3.000 metros. A praça onde fica a Comissão de Turfe bem que poderia chamar Praça Cacique Negro.

Uma justa homenagem à Comissão e ao "Diamante".

Cacique Negro (Brz) - Um dos Melhores Cavalos Nacionais de Todos os Tempos !!!

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