GP´S INESQUECÍVEIS

 

Artigo “O Much era muito Better” 

Por Clackson

O turfe é uma atividade que envolve uma cadeia de ações e pessoas que desde o nascimento do produto até o final da sua campanha o acompanharão, mas em última análise, e por incrível que pareça, ficará a cargo de somente uma pessoa, o jockey, o resultado final de todo esse esforço dispendido. Evidentemente o treinador é peça crucial nessa equação, mas será na raia, e somente nela é que o resultado desse esforço será conhecido.

Muito poderia se falar do estudo dos pedigrees, das éguas selecionadas para o cruzamento etc, mas vamos nos ater ao par jockey-cavalo, que nos levará, ao meu ver, a cinco possíveis resultados em uma campanha. São eles:

Um bom cavalo com um jockey fraco resulta em vitórias em páreos comuns, um cavalo fraco com um bom jockey pode resultar em colocações em clássicos, um cavalo fraco e um jockey fraco resulta em descolocação em páreos de claiming com 6 animais.

O turfista poderá corroborar ou não as possibilidades acima, mas tenho certeza que já presenciou algum páreo com o resultado  acima. 

A quarta possibilidade caro leitor,   infelizmente, é uma raridade no turfe, e objeto maior do desejo de criadores e proprietários e treinadores: a combinação cavalo-craque e jockey-craque. O resultado dessa mistura são vitórias em provas de Grupo e acesso do cavalo ao seleto grupo da elite dos grandes campeões.

Mas a quinta possibilidade é a mais remota que se tem conhecimento,  que é a dupla:  cavalo -fenômeno com jockey-fora-de-série, e isso leva o animal para o grupo da elite das elites, o Olimpo dos Imortais do Turfe.

O Olimpo do Turfe brasileiro teve em toda sua história, na minha opinião,  3 ou 4 cavalos nessa categoria e nada mais, e o GP´s Inesquecíveis presta uma homenagem a justamente um dos moradores desse Olimpo: o fenomenal e eterno Much Better.

O filho de Baynoun e Charming Doll, criado por uma das mais famosas usinas de craques do Paraná, o Haras J.B. Barros,   conseguiu obter em sua campanha, todas as jóias da coroa do turfe sul americano. Todas!!! 

Na sua assombrosa e quase intransponível trajetória logrou vencer nada menos que o G.P Brasil, G.P São Paulo,  duas vezes o Clássico Latino Americano de Jockeys Clubs, e o internacional G.P Carlos Pellegrini, além da participação no GP Arco do Triunfo, onde a nata do turfe mundial estava reunida e chegou à 6 corpos do vencedor, Carnegie,  de propriedade do Sheik Mohammed Al Maktoum.

Deve ser registrado que o fenomenal cavalo Much Better tem um segundo lugar na Copa ANPC, corrido na Gávea, onde o vencedor foi Fantastic Dancer,  em uma chegada que os próprios jockeys não sabiam quem havia ganhado. A nota adicional a esse páreo, que foi corrido no dia 23 de Outubro,  é que Much Better correu o Arco do Triunfo no dia 2 de Outubro, ou seja 21 dias após participar de uma prova em outro continente, o herói Much Better perdia uma prova em um photochart mais que demorado, e o detalhe maior, o tempo do páreo foi de 2´24"6, novo recorde da distância de 2.400m da Gávea.

No GP Carlos Pellegrini, corrido em dezembro do mesmo ano , Much Better desforrou-se de  Fantastic Dancer vencendo o páreo para este último fazer terceiro.

Esse cavalo foi uma obra de arte da Natureza!!!!

Voltando um pouco note que a quarta possibilidade que me referi nos parágrafos anteriores já fariam qualquer criador e proprietário,  os seres mais felizes no planeta turfe, mas vencer as provas que venceu, fazem de Much Better algo de extraordinariamente raro no mundo das corridas.

 Sempre surgirão algumas comparações com outros animais até com justiça, mas os feitos dele não são, e pouco provavelmente o serão,  igualados e ponto.

De suas magníficas vitórias, vamos relembrar à do G.P São Paulo, corrido no dia 1o. de maio  de 1994, data essa que infelizmente foi de muita tristeza para o Brasil.

Naquela manhã de 1o. de Maio, na disputa do GP de Fórmula 1 no autódromo de Ímola, na Itália, morria um dos maiores pilotos de fórmula 1 de todos os tempos: Ayrton Senna.

Com o Brasil inteiro em estado de choque , Jockey Club inclusive, a atmosfera toda especial que envolve um GP São Paulo, estava toda envolta em luto e por mais que se falasse de turfe, a conversa sempre convergia à tragédia ocorrida com o fantástico Senna.

Mas como o turfe tem algumas propriedades mágicas,  tais como eletrizar todo um público em uma chegada disputada, fazendo com se esqueça por alguns minutos todas as adversidades e tragédias que só a vida nos aplica, o desenrolar do 6o. páreo - GP Presidente da República, em 1609m -  páreo que antecede o GP São Paulo, já anestesiou todos os turfistas pois o cavalo Really Welcome, magistralmente dirigido pelo bridão Nelito Cunha, saira de último na curva para sagrar-se campeão da prova.

Já eram nítidos os sinais que o GP São Paulo teria a mesma carga de emoção, pois cavalos de nível não lhe faltavam.

O campo do páreo era formado por Vomage (N. Cunha) - Vekrezzo (G. Menezes), Tallon ( C.Canuto), Xiko Leigo ( E. Pacheco), Ortyner ( G.Assis), Stirling ( C.Lavor), Drum und Dran ( J.Garcia), Piá-Vovô ( I. Quintana), Ojotabe ( L.Duarte), Le Garçon D´or ( J.M Silva), Epson di Reichmark ( L. Almeida), Ozuli ( A. Vale) e finalmente a máquina das máquinas,  Much Better ( J.Ricardo).

Uma curiosidade externa à essa prova é que um fantasma rondava o jockey Jorge Ricardo nesse páreo, pois em anos anteriores, este montara dois favoritos, Falcon Jet e April Trip, e por caprichos que só o turfe proporciona, em ambos os casos fez segundo para o bridão Nelito Cunha, cujos cavalos que montara, Urban Hero e Vomage,  surpreenderam o famoso bridão carioca.

Agora Vomage correria novamente o São Paulo com o Nelito Cunha e Jorge Ricardo montava aquela suprema máquina de corridas, chamada Much Better. Será que a mão do imprevisível novamente agiria?  

Uma curiosidade é que o Jockey Club de São Paulo, nesse páreo prestava uma homenagem ao lendário locutor do Jockey Club Brasileiro, Ernani Pires Ferreira - a metralhadora de palavras da Gávea - e coube a esse grande profissional narrar o  páreo.

A largada do páreo foi autorizada e Epson di Reichmark toma a ponta seguido por Ortyner, tendo logo atrás Vomage, Much Better, Tallon, Stirling e os demais em fila indiana até a curva do estacionamento. Nesse ponto Epson di Reichmark e Ortyner se distanciam muito do bloco, tendo Vomage permanecido em terceiro, longe,  sem entrar na disputa insana das primeiras posições.

No começo da reta oposta, já é possível prever que Vomage só aguardaria o melhor momento para avançar, e Much Better, levado nos dedos por Jorge Ricardo, policia as ações de Tallon, até então uma das forças da prova, mas esse policiamento teve de ser revisto um pouco mais à frente.

A reta oposta não mostra alterações na fila indiana anterior, pois Epson di Reichmark ponteava, Ortyner o seguia e Vomage, Much Better e Tallon se vigiavam. No bloco traseiro apenas algumas posições foram trocadas, mas com Vekrezzo já se posicionando para tomar parte do páreo.

Na curva da vila hípica, Ortyner já se aproxima muito de Epson di Reichmark, cujos sinais da insana disputa pela ponta se fazem sentir, e Vomage acionado pelo bridão Nelito Cunha, corresponde e encosta em Ortyner por fora.

O Jorge Ricardo, inteligentemente percebe que os galões de Vomage são de um extremo perigo, pois o cavalo já se posicionava para tomar as ações do páreo, diferentemente de Tallon que não se definia.

Vomage na ponta,  folgando alguns corpos era um filme que Jorge Ricardo já havia visto no ano anterior, e sabia como este acabava. Vomage havia ganhado !!!!!

Como fora dito no início desse texto, um bom jockey ajuda demais um cavalo, mas um jockey fenomenal ajuda muito, mas muito mais, e isso  Much Better tinha de sobra, pois o percurso de Much Better foi tal que nenhum prejuízo havia ocorrido ainda, e só lhe restava a reta final, mas mesmo sem os percalços normais de uma reta de chegada, o destino lhe preparava uma prova de fogo.

Na entrada da reta Ortyner toma a ponta de uma forma fugaz, pois Vomage com enormes reservas aguarda os 400 metros finais, e assume a ponta e foge, e o J. Ricardo, percebendo o risco  vai ao seu encalço deixando o falso fantasma Tallon para trás.

Nessa hora o Ernani Pires Ferreira narra a ponta de Vomage  e o avanço forte de Much Better ( a pronúncia de Much Better na voz do Ernani é antológica ) e a alta voltagem no páreo começa a subir, pois será que Vomage novamente faria com que um dirigido de Jorge Ricardo ficasse somente no placê? 

Nos 200m finais, Much Better começa a encostar, mas Vomage não lhe dá tréguas, nem diferenças, e o mito em torno de Much Better precisa aparecer, pois a luta é por demais titânica.

Vomage ,sob vigorosa tocada do Nelito Cunha, consegue ir aparando o avanço de Much Better, mas Jorge Ricardo vai lentamente aproximando-se de seu quase intransponível oponente.

Vekrezzo levado em um percurso matemático pelo Gabriel Menezes atropelava forte, tendo ao seu rastro o Tallon, mas via-se claramente que suas ações seriam apenas coadjuvantes dos gigantes à frente.

Nos 100m finais Vomage ainda resiste, mas pouco a pouco nota-se que Much Better tem uma ação que ainda é possível passar pelo Vomage. A essa altura todo o hipódromo estava em transe frenético, pois uma luta terrível estava se travando na raia, com uma locução mais do que primorosa do Ernani, e ninguém tinha certeza de quem venceria.

A poucos metros do disco, a supremacia de um fenônemo do mundo das corridas faz-se sentir e Much Better livra pescoço de vantagem sobre Vomage, e cruza o disco de uma forma magistral, mostrando ali o resultado de um cavalo genial, montado por um jockey-fora-de-série só poderia resultar naquilo: uma vitória estupenda.


Much Better domina Vomage em cima do disco

Jorge Ricardo quebrava um tabu em São Paulo e vencia a principal prova do calendário paulista, afastando de vez o fantasma do placê nesse páreo.

O favorito do páreo, Tallon chegou em quarto a dois corpos, e Vekrezzo em terceiro à meio corpo de Vomage.

O futuro mostraria que o que se viu naquela tarde de GP São Paulo era uma cena muito rara, pois esse mesmo cavalo iria escrever uma página inédita no turfe brasileiro e sul americano, que dificilmente será ultrapassada, pois convenhamos que vencer o GP São Paulo e o GP Brasil é um feito muito incomum, próprio somente de grandes campeões - Grimaldi, Troyanos e outros.

Agora incluir além desses páreos o GP Carlos Pellegrini que tinha Siphon, El Sembrador, Fantastic Dancer no páreo, é por demais raro. Os finais de Much Better nesse páreo foram 400m em 22"4 e 200m em 11"2. Precisa dizer mais?

Como se não bastasse esse respeitabilíssimo retrospecto, o fenômeno Much Better venceu duas vezes o Clássico Latino Americano de Jockeys Clubs ( 1994 e 1996).

Aquela tarde de domingo em Cidade Jardim só não foi mais alegre devido ao trauma devido à morte de Ayrton Senna, mas como quase que por uma obra do destino, tanto o piloto-mito falecido quanto o cavalo-fenômeno tiveram seus destinos praticamente igualados, pois de um lado tivemos o maior piloto de fórmula 1 de todos os tempos, morrer prematuramente, e do outro, um dos maiores cavalos de todos os tempos, que também viria a morrer prematuramente, anos mais tarde.

Ambos permanecem vivos, indeléveis,  por todo o sempre no mundo das corridas.

A criação nacional nos anos 90 mostraria que sua qualidade já era um assunto para fora de nossas fronteiras, pois Siphon, Romarin, Much Better e outros que adviriam, mostravam claramente quão pode ser forte a criação brasileira, mas convém nunca esquecer que não basta à criação ser better, precisa ser Much Better.

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